26 fevereiro 2007

Dias

Os excessos pagam-se.

Neste caso,

o excesso de falta de tempo,

e a quantidade excessiva de coisas,

transformam, menorizam, inferiorizam

tudo o mais que existe para além deles.

O tempo para além da falta de tempo

e as coisas para lá daquelas que são excessivas.

Ainda assim

venho aqui

Janela aberta

Horizontes sem fim

24 fevereiro 2007

A Noiva Judia

E se de repente, nos transformássemos nos nossos antepassados? Embora pareça uma realidade da qual não podemos fugir, não me pareçe que seja tão linear quanto isso... Este livro, pequeno e, para mim, de leitura difícil, retrata quatro vidas... Tudo começa com um quadro de Rembrant, e com as personagens nele retratadas: Abigail Lopes da Costa e Ephraim Paradies. Alguns séculos mais tarde, uma sua antepassada, Rebecca Lopes da Costa, parece segui-lhe as pisadas, a um ritmo tão violento que parece desistir da sua própria vida!! Este livro apanhou-me, pois nunca dantes tinha visto esta forma de escrita... lá para perto do fim, apercebemos-nos de que a obra é semi-autobiográfica e que o escritor, Luigi Guarnieri, está a descrever o modo e o porquê de escrever este livro... Estranho, não? Pode ser uma mentira do autor, mas gostei da forma diferente com que ele a escreveu e exercício masoquista de se descrever até ficar uma personagem... Por mim, fiquei a conhecer melhor uma parte da história Universal e com um desejo cada vez maior de conhecer a Holanda, onde afinal começa a história...

22 fevereiro 2007

Correspondência

Sophia de Melllo Breyner Jorge de Sena

O nome de Sophia de Mello Breyner Andresen é recorrente por aqui.

Ela é, para mim, a melhor poetisa Portuguesa, para além de ter textos para as crianças simplesmente extraordinários.

Hoje não vou aqui falar dos seus textos publicados, histórias ou poemas, mas da sua correspondência com Jorge de Sena.

Quando se escreve uma carta, sabe-se quem é o seu destinatário, quem a irá ler, e isso nos permite escrever sem constrangimentos senão apenas os nossos, pessoais.

Assim se passa com esta correspondência agora publicada.

Torna público o que era privado.

E que interesse podemos nós ter sobre o que é privado?

Pareceu-me ao ler este livro, que estas cartas passam em muitas medidas o domínio do privado, por um lado porque tanto Sophia como Jorge de Sena sabiam que a sua correspondência podia ser lida e censurada pela PIDE, a sua privacidade era sempre duvidosa, por outro, na maioria dos casos as palavras e ideias que transmitem são de domínio público, ou tornado público através de poesia e prosa de ambos.

O cuidado tido relativamente à omissão de nomes de pessoas, e a clareza com que mostram alguns dos meandros de certos poderes, são por si só motivos para ler esta correspondência.

Eu fico por aqui hoje, que já o sono me chama…e ainda não li o meu bocadinho.

14 fevereiro 2007

As diferenças fazem a diferença...

Trabalho no bloco operatório de um hospital em que sinto orgulho de pertencer.

É um hospital que ao longo da sua vida, tem sido um exemplo de profissionalismo, dedicação e humanização, e é considerado uma referência na sua área.

Neste hospital, as crianças que têm que ser submetidas a intervenção cirúrgica podem contar com uma “pequena” atenção: o seu pai ou mãe, podem acompanha-las dentro do bloco até a uma sala onde serão adormecidas, e só depois de estarem a dormir é que os pais se vão embora.

Imaginam as vantagens deste procedimento?

As crianças chegam muito mais confiantes, assim como os pais delas, o que é um a dupla vantagem.

Quando entram para a sala onde serão adormecidas sentem-se mais à vontade com os profissionais de saúde.

Trazem geralmente uma pomada anestésica no dorso das mãos colocada tempos antes na enfermaria, essa pomada tem como objectivo diminuir a dor provocada pela picada de uma agulha especial que se coloca para ter um soro.

Podem não acreditar, mas por vezes as crianças estão tão distraídas nessa sala que nem dão conta de que foram picadas…

Segue-se o adormecer, a maioria das vezes tranquilo, que condiciona quase sempre um acordar igualmente sereno.

O pai ou mãe sai nessa altura, geralmente sem angústia e espantado com a rapidez do procedimento.

Ás vezes são estes pequenos nadas que fazem toda a diferença quando queremos humanizar.

11 fevereiro 2007

"Quando eu era uma obra de arte"

Pois é, aqui estou eu de volta... E para bem re...começar conto um conto não o do livro, mas da forma como o descobri... Há uns tempos atrás, conheci uma Catalã, a Nuria, muito orgulhosa da sua terra, que estava a aprender português... Conversa daqui e dali, descobrimos muitas afinidades, entre as quais que não dispensamos um ou mais livros na cabeceira. Descobrimos ainda que acreditamos que se pode conhecer uma pessoa por aquilo que ela ouve ou lê... daí a inevitável pergunta: que livros e autores mais gostas? Que livro mais te marcou? A conversa foi de tal forma animada que tivemos de recorrer à escrita... Assim, eu fiz uma lista de livros e autores e ela também... na lista da Nuria estava um tal de Eric-Emmanuel Schmitt com um livro "O Senhor Ibrahim e as flores do Corão". Assim que pude, fui à sua procura... e não havia, mas havia desse autor um tal "Quando eu era uma obra de arte"... resolvi apostar, pois o título, embora presunçoso, espicaçou-me a curiosidade... Comecei-o há dois dias e já o considero um dos que mais me fez pensar... Este livro apresenta uma forma de pensar diferente. Retrata um pacto entre duas pessoas: um artista, ávido de fama e de glória ... o outro, um suicida falhado, ávido de existência, que aceita ser transformado numa obra de arte... Isto belíssimamente regado com uma crueldade e sobriedade de escrita que me assombraram... Estou absolutamente hipnotizada... e mesmo quando o livro está fechado, encontro-me muitas vezes a pensar em tudo o que me tem tocado nele... Devo dizer que consegui, mais tarde, numa feria do livro o tal "O Senhor Ibrahim e as flores do Corão" e também recomendo...

07 fevereiro 2007

“A insustentável leveza do ser” Milan Kundera Pode ser exagerado, mas recebi-o, quando o li pela primeira vez, como uma espécie de bíblia. Durante uns anos lembro-me sempre de recordar passagens deste livro, que me iam ajudando a compreender os trilhos que ia desbravando. A necessidade de decidir… a importância e o peso da decisão. O quanto é desnecessário o arrependimento. “Não há forma nenhuma de verificar qual das decisões é melhor porque não há comparação possível. Tudo se vive imediatamente pela primeira vez sem preparação. Como se um actor entrasse em cena sem nunca ter ensaiado.” O valor que tem o amor, e as diversas formas de se manifestar…a etimologia da palavra “compaixão” e como ela pode designar a “mais alta capacidade de imaginação afectiva”, “a telepatia das emoções”. O valor dos sonhos, enquanto obra criada, imaginada, enquanto forma de experimentar várias outras vidas. “O sonho não é apenas uma comunicação, é também uma actividade estética, um jogo de imaginação que tem um valor próprio.” “O sonho é a prova de que imaginar, sonhar com o que nunca existiu, é uma das necessidades mais profundas do homem”. E para não esgotar o próprio autor, termino agora, deixo-vos com esta imagem. “É natural que quem quer elevar-se sempre mais, um dia acabe por ter vertigens. O que são vertigens? As vertigens não são o medo de cair. É a voz do vazio por debaixo de nós que nos enfeitiça e atrai, o desejo de cair do qual, logo a seguir, nos protegemos com pavor.”

06 fevereiro 2007

O Carteiro de Pablo Neruda

O Carteiro de Pablo Neruda

António Skármeta

Desengane-se quem vir no carteiro um rapaz tímido que não sabe o que quer!

O filme é muito bonito, mas como sempre, o Livro diz mais.

Hoje até aproveito para o retirar da estante e relê-lo, é pequeno mas intenso, lê-se depressa e ainda assim deixa sabor pelo tempo fora…

A este juntarei, também para reler, “Confesso que vivi”, de Pablo Neruda e já por aqui referido, em meias conversas.

Até breve

01 fevereiro 2007

Todas as noites do mundo

ESPERA

Deito-me tarde

Espero por uma espécie de silêncio

Que nunca chega cedo

Espero a atenção a concentração da hora tardia

Ardente e nua

É então que os espelhos acendem o seu segundo brilho

É então que se vê o desenho do vazio

É então que se vê subitamente

A nossa própria mão pousada sobre a mesa

É então que se vê o passar do silêncio

Navegação antiquíssima e solene

Sophia de Mello Breyner Andresen, in Geografia 1976

Por isso às vezes o diálogo se torna lento, as palavras difíceis e as ideias condensadas, esta não é a hora de grandes escritos, é a hora da poesia.